CNJ Afasta Desembargador Marcelo Lima Buhatem: Imparcialidade Judicial em Xeque

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tomou uma decisão que reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão dos magistrados no Brasil. No dia 16 de abril de 2025, o desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), foi afastado por 60 dias das suas funções. A medida veio após a constatação de que o magistrado usou suas redes sociais para publicar conteúdo de viés político-partidário, especialmente durante o período eleitoral.

Este episódio, embora não inédito, simboliza um momento crítico no cenário jurídico brasileiro: o enfrentamento entre a liberdade individual de expressão e a exigência de neutralidade absoluta no exercício da magistratura. Vamos explorar neste artigo os detalhes do caso, o histórico do magistrado, a reação do CNJ, o impacto dessa decisão no Judiciário e o que ela representa para o Brasil em um contexto democrático cada vez mais polarizado.

Quem é Marcelo Lima Buhatem?

Marcelo Lima Buhatem é desembargador do TJ-RJ, com vasta atuação na área criminal. Ao longo de sua carreira, esteve envolvido em julgamentos de grande repercussão e também ocupou cargos administrativos no tribunal. No entanto, seu nome ganhou destaque no cenário nacional nos últimos anos não apenas por sua atuação jurídica, mas por sua postura nas redes sociais, considerada inadequada por muitos colegas de toga.

O magistrado já havia sido advertido anteriormente por comportamento semelhante, o que pesou na análise atual do CNJ. O novo episódio, no entanto, extrapolou os limites considerados aceitáveis pela corregedoria nacional.


O que motivou o afastamento?

O motivo do afastamento foi uma série de postagens realizadas por Buhatem durante o período eleitoral de 2022, quando Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva disputavam a presidência da República. As publicações em questão não apenas demonstravam apoio explícito a Bolsonaro, como também acusavam o então candidato Lula de vínculos com organizações criminosas, como o Comando Vermelho.

Dentre os posts mais polêmicos, destacam-se:

  • Um compartilhamento de imagem onde Lula é associado a criminosos armados com o texto: “Quer isso de volta?”
  • Frases de apoio direto a Bolsonaro, como “o homem é honesto, o resto é narrativa” e “deus, pátria, família e liberdade”.
  • Um jantar com Bolsonaro e sua comitiva durante uma visita oficial a Dubai, em 2023, no qual Buhatem posou para fotos ao lado do ex-presidente, algo considerado inadequado para um magistrado.

O conjunto dessas ações levou o CNJ a instaurar um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), que culminou com o seu afastamento.


A decisão do CNJ

O plenário do CNJ, em decisão unânime, votou pelo afastamento de Marcelo Lima Buhatem por 60 dias. A decisão partiu de uma proposta do conselheiro Caputo Bastos, que defendeu uma sanção mais rigorosa que a proposta inicialmente pelo relator, conselheiro Alexandre Teixeira, que sugeria 90 dias de suspensão simples.

A sanção aplicada foi a da “disponibilidade”, o que significa que o magistrado será afastado das suas funções, com direito a remuneração proporcional, mas impedido de atuar ou exercer qualquer função jurisdicional durante o período.

Nas palavras do conselheiro Caputo Bastos:

“A imparcialidade é o pilar de sustentação da magistratura. Quando um juiz se comporta como ativista político, compromete a confiança que a sociedade deposita no Poder Judiciário.”


A imparcialidade como princípio constitucional

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determina que os magistrados devem exercer suas funções com imparcialidade, isenção e neutralidade. O artigo 95, inciso III, afirma que juízes não podem “dedicar-se à atividade político-partidária”.

Isso significa que, mesmo fora do expediente e nas redes sociais, os magistrados estão sujeitos a um código de conduta que visa resguardar a integridade e a confiabilidade do Judiciário. Postagens em redes sociais, quando assumem caráter político, podem ser enquadradas como quebra de decoro e violação dos deveres funcionais.

O CNJ, criado em 2004 como parte da reforma do Judiciário, tem justamente essa função: fiscalizar e punir comportamentos que coloquem em risco a independência, a imparcialidade e a credibilidade da Justiça brasileira.


Repercussão nas redes e entre juristas

A decisão teve grande repercussão nas redes sociais. Enquanto apoiadores de Jair Bolsonaro consideraram a medida uma “censura institucional”, muitos juristas, inclusive conservadores, defenderam a atuação do CNJ como necessária para a manutenção do respeito à magistratura.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) emitiu uma nota em que, sem citar diretamente o caso, reafirma que “o exercício da magistratura exige neutralidade, sob pena de quebra do princípio da imparcialidade e abalo na confiança da sociedade”.

Especialistas em Direito Constitucional apontam que casos como este se tornam cada vez mais comuns diante da hiperexposição dos magistrados nas redes sociais. A internet criou um novo campo de tensão entre o direito à opinião pessoal e os deveres institucionais.


Outros casos semelhantes

Marcelo Buhatem não é o primeiro juiz a ser alvo de sanções por manifestar opiniões políticas. Em 2020, o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato no Rio de Janeiro, foi advertido pelo CNJ por participar de eventos públicos com o então presidente Jair Bolsonaro. Em 2023, outro caso envolveu um juiz do Mato Grosso do Sul que declarou apoio explícito a um candidato nas eleições estaduais.

Esses exemplos mostram que o CNJ tem agido de forma mais firme para coibir desvios de conduta nas redes sociais, especialmente quando envolvem questões político-partidárias.


O papel das redes sociais na conduta de magistrados

A crescente presença dos juízes nas redes sociais tem provocado debates em todo o mundo. Enquanto muitos defendem que a liberdade de expressão é um direito humano fundamental, outros lembram que, para determinados cargos públicos, essa liberdade precisa ser exercida com responsabilidade e limites.

No caso de juízes, cuja função é julgar com base nos fatos e na lei, qualquer sinal de parcialidade pode contaminar todo um processo. Um simples tweet ou compartilhamento pode levantar suspeitas sobre a motivação de uma sentença, mesmo que tecnicamente correta.

Assim, o Judiciário tem discutido com mais seriedade a necessidade de um código de conduta específico para o uso de redes sociais por juízes e desembargadores.


Imparcialidade e confiança pública

A confiança no Poder Judiciário é um dos alicerces da democracia. Quando um juiz demonstra apoio político público, essa confiança pode ser minada. Mesmo que o magistrado continue proferindo decisões corretas, a percepção da sociedade pode ser de parcialidade, o que enfraquece o sistema como um todo.

Por isso, o CNJ tem reiterado em suas decisões que a imagem pública do magistrado também deve ser preservada com rigor. Um juiz não é apenas um técnico da lei: ele representa um poder da República.


Considerações finais

O afastamento do desembargador Marcelo Lima Buhatem marca mais um capítulo da tensão entre liberdade de expressão e ética no Judiciário. A decisão do CNJ reforça a necessidade de que magistrados mantenham sua postura dentro e fora dos tribunais, especialmente nas redes sociais, onde qualquer posicionamento público ganha dimensão nacional.

Mais do que punir um magistrado, a medida serve de alerta a toda a magistratura brasileira: imparcialidade não é apenas uma virtude, é uma exigência constitucional. Num país ainda marcado por polarizações políticas intensas, preservar a confiança no Judiciário é essencial para garantir a estabilidade democrática.

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